Estou Passando

Hoje gosto de doce de batata doce, com creme de leite, por favor. Gosto de manhãs sem pressa, sonolentas, com cheiro de sonhos frescos. Gosto de ouvir as historias que meu pai me conta: a dos cachorros na mata, a do Pé-de-garrafa (uma espécie de Pé-grande), a do pombo gigante, e ainda tinha uma, a minha preferida, uma espécie de João e Maria, com umas musicas engraçadas que faziam parte da história. Hoje, até agora, sou este sujeito de barba falhada, de horários apertados e cansado de muitos apertos na garganta. Hoje, enquanto não escurece, enquanto vivem os neurônios que transmitem as palavras do meio da minha cabeça até a ponta do meu lápis, eu penso em ser menos direto. Dar voltas e voltas até chegar aqui. E girar em outros ângulos. E amar em outros tempos. E sonhar com outros planos. Até que o sujeito destas linhas não exista mais. Serei outro. Outro que talvez não seja tão estranho quanto este, que carregue menos peixes nos bolsos, que tenha menos distância entre os abraços, que aprenda a usar baldes para carregar água. Amanhã, quando acordar, desde a menor partícula que compõe as fibras da minha ausência até a mais visível transparência dos meus ganhos, quero transformar tudo em alegria. Não sou obrigado a ser sempre um só. Mil homens querem viver esta vida que tenho. Que queiram. Eu é que viverei mil vidas. Serei poeta.