A Menina ao Lado
Num piscar de olhos ela estava lá, simplesmente se materializou na casa logo ao lado como se nunca tivesse morado em outro lugar. Eu voltava da padaria quando me deparei com os seu rosto impecável, aquela carisma no olhar e o silêncio abrasador, esse mesmo silêncio que seria uma via de mensagens entre nós dois.
Fiquei um bom tempo examinando a área que separava a minha casa da dela, mas sem coragem para atravessá-la, elas eram como duas trincheiras separadas por um local minado, e tudo que falávamos era apenas uns sorrisos discretos, uns olhares bobos e tímidos.
Nos conhecemos mais à uma distância que muitas outras pessoas: talvez se estivesse perto não notaria pequenos traços que só se permite ver quando se observa ao longe, sem problemas, só observar. Ela deixava seu cabelos soltos, eu achava muito melhor, ela cantava enquanto ouvia suas músicas, bem baixinho, só para ela e quem mais tivesse ouvidos apurados o suficiente. Às vezes me pegava admirando-a e ficava sem jeito, ela puxava as mecha para trás da orelha esquerda e disfarçava, mas meio que continuava a cantar, e eu não queria parar de ouvir.
Nossas conversas sem voz ficaram mais intensas. Agora apontávamos com o dedo coisa que ocorriam na rua, como uns cães brincando, umas borboletas, ás vezes imagens que se formavam nas nuvens, mas nunca passava disso. Dificilmente saiamos ao mesmo tempo, eu ia a padaria e sempre voltava com ela já na calçada, e quando acontecia, íamos para caminhos opostos, mas ter aquele contato à seis metros de distância era o suficiente.
Eram apenas seis metros de gramado e calçada, e cada metro parecia um quilômetro. Jamais fui tão próximo e tão distante de alguém, eu estava disposto a conhecer aquela garota, agora mais do que nunca. A essa altura já duvidava da minha sanidade, pensava estar vendo apenas uma miragem.
Então quando cheguei da padaria, como fazia todas as manhãs, ao invés de entrar, me virei em sua direção. Cada passo era como folear uma livro, e os rostos que passaram pela face dela foram vários, uma mistura de emoções que não distingui.
Enfim, fiquei lado a lado com a moça, sim era moça, e todas as outras características eram mais radiantes de perto. Eu meio que não sabia o que falar, foram tantos dias apenas de olhares e gestos e expressões que o ato de falar parceria rude e impróprio. Mas da minha pequena sacola tirei um pedaço de bolo, e não sabendo qual o melhor para o seu paladar meio incógnito, comprei o mais comum: um bolo de laranja. Parecia muito humilde, mas era de bom gosto. Ela olhou, um pouco sem graça, para o pequeno presente, o que parecia estar trêmulo em minhas mãos, mas eu que dera o primeiro passo, eu que detinha a iniciativa, assim não podia voltar atrás, e não o queria.
- Gosta de bolo de laranja, eu pensei em comprar alguns pra você. Pegue, espero que goste.
O que ocorreu em seguida não consegui explicar. Ela abriu o maior sorriso que já vi, e a sua voz, que antes ouvia ao sussurros, teve seu momento de brilho. Eu ficara extasiado! Sem movimento, como acontecia nas lendas de sereias.
- Obrigada, eu adoro bolo de laranja é o meu favorito, você é mesmo muito gentil.
E foi assim que nos conhecemos, ficamos a manhã inteira comendo aqueles doces e pães, entre uma bobagem e outra, diante da melhor companhia da minha vida. E aquele silêncio que nos separava, agora é um silêncio mais curto, mais doce e macio, como bolos de laranja.